Cacau como alternativa ao garimpo ilegal na Terra Indígena
Na cosmologia do povo Yanomami, foi um cacaueiro que salvou seus ancestrais “nos primeiros tempos”. Conta a tradição que, quando o céu caiu pela primeira vez, a maior parte deles “foi esmagada ou lançada para baixo da terra, a não ser num lugar, onde o céu se apoiou num cacaueiro, que vergou sob o peso mas não quebrou”1.
Símbolo de força e resistência, os cacaueiros ganham nova importância nos dias de hoje, quando os Yanomami enfrentam uma outra ameaça, desta vez não vinda do céu, mas da terra, do garimpo ilegal de ouro.
O povo Yanomami
Considerado como “povo de recente contato”, os Yanomami são o maior povo indígena do planeta que mantém seu modo de vida tradicional. Constituem um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, seis subgrupos, que falam línguas diferentes de uma mesma família: Yanomam, Yanomami, Sanöma, Ninam, Yaroamë e Yãnoma.
A Terra Indígena Yanomami (TIY)
Compreende parte do território dos estados de Roraima e do Amazonas. Ali vivem alguns povos isolados, bem como indígenas das etnias Yanomami e Ye’kwana.
O garimpo ilegal de ouro
É hoje a mais grave ameaça aos Yanomami e aos Ye’kwana, configurando-se como a maior invasão de garimpeiros desde a corrida do ouro nas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, estima-se que o número de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami ultrapasse 20 mil pessoas. Estima-se em 273 o número de comunidades afetadas diretamente, abrangendo mais de 16 mil indígenas, ou 56% da população da TIY2.
O garimpo ilegal em terra indígena não apenas destrói e contamina a floresta, ameaçando sua biodiversidade, como deixa rastro de destruição entre os povos originários que nela vivem, seja pela violência, pela fome ou pelas doenças.
Cacau e chocolate Yanomami-Ye’kwana: uma alternativa de ouro
Endêmico na Terra Indígena, o cacau como fonte de alimento não é uma novidade para os Yanomami e os Ye’kwana. Tradicionalmente, ambos os povos apreciam o fruto, seja no preparo de mingaus ou no consumo da polpa adocicada. O que nem os indígenas nem ninguém havia experimentado antes é um chocolate produzido a partir do cacau nativo da região, que, uma vez pronto, veio a revelar um sabor único no mundo.
A ideia surgiu dos próprios Yanomami e Ye’kwana. Em busca de alternativas sustentáveis para atender às demandas de geração de renda das suas comunidades, lideranças e jovens indígenas convidaram a Chocolates De Mendes, por meio do Instituto Socioambiental (ISA), para iniciar um projeto de beneficiamento de amêndoas do cacau nativo para a produção de chocolates.
A partir da coleta e do pré-processamento inicial de 45 quilos de amêndoas de cacau da Terra Indígena Yanomami, sob responsabilidade e orientação do chocolatier César De Mendes, foram produzidas mil unidades de barras de chocolate, cada uma com 50 gramas de peso líquido e 69% de cacau.
Apresentadas ao mercado em dezembro de 2019, as barras tiveram imediata recepção positiva e hoje são uma das mais procuradas em toda a linha de produtos da De Mendes, pelo seu sabor intenso e raro, que lembra banana in natura.
O projeto de doação do Instituto BKK para o ISA tem por objetivo incentivar que o cacau sirva como alternativa ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Por meio do ISA e da De Mendes, o Instituto promove ações de capacitação para que os indígenas realizem o plantio de mudas de cacau nativo e o pré-processamento das suas amêndoas, aumentando o potencial de produção e reflorestando áreas degradadas.
O projeto da cadeia de valor do cacau na Terra Indígena Yanomami tem grande potencial para se constituir em um modelo robusto de economia da sociobiodiversidade, com sustentabilidade e alta inserção no mercado. Seu principal benefício constitui-se no fortalecimento da renda e da autonomia das comunidades indígenas diante do avanço de atividades que ameaçam sua existência.
O pré-processamento e a comercialização dos produtos da floresta nos territórios indígenas contribuem para o bem-viver das comunidades e para a sustentabilidade ambiental e climática, além de darem origem a um produto único, de terroir amazônico e sabor inigualável no mundo.
Objetivos do Projeto
Ampliar a capacidade produtiva das comunidades e o potencial de produção de amêndoas de cacau, atingindo 10 toneladas de amêndoas/ano.
Consolidar a estruturação da cadeia de valor de amêndoas de cacau em duas regiões, viabilizando produção de boa qualidade, governança e gestão local, escoamento e comercialização.
Incrementar a renda das comunidades por meio da comercialização de amêndoas de cacau nativo e outros produtos da floresta.
Nossos Parceiros
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL
(ISA)
O ISA tem como missão institucional defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.
COOL EARTH
CHOCOLATES DE MENDES
A Chocolates De Mendes produz chocolates e cupulates de forma artesanal e em sintonia com os valores das populações tradicionais da Amazônia, parceiros e fornecedores de amêndoas de cacau e cupuaçu nativos. As receitas desenvolvidas pelo chocolatier César De Mendes evidenciam os sabores da mata pelos ingredientes de origem e trazem os saberes desses povos em produtos que mantêm a floresta em pé.
1KOPENAWA, David; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
2Relatório “Yanomami Sob Ataque”. Hutukara Associação Yanomami e Associação Wanasseduume Ye’kwana, 2022. Disponível em <https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/yanomami-sob-ataque-garimpo-ilegal-na-terra-indigena-yanomami-e-propostas-para>.
3Yanomami e Ye’kwana produzem chocolate com cacau nativo. Artigo de José Ignacio Gomeza Gomez Corte na Folha de Boa Vista. Disponível em <https://folhabv.com.br/coluna/OPINIAO/10958>.